Essa é destaque no Diário de Pernambuco:
Prosperidade e crescimento mútuo são as palavras-chave. Aos 17 anos, o
atleta pernambucano Carlos Donato repete mentalmente os princípios do judô
sempre que está prestes a subir ao tatame - do Agreste pernambucano à província
de Quebec, no Canadá. A evolução dele deve contribuir para a evolução do
oponente - e vice-versa. Nos últimos seis anos, manteve essa referência ao
conquistar títulos em campeonatos estaduais, regionais e nacionais. Foram seis
medalhas de ouro e uma de prata no Campeonato Brasileiro Regional, mais dois
ouros e dois bronzes no Nacional. Donato, tetracampeão pernambucano de judô,
lutou em tatames da Paraíba, do Ceará, de Sergipe, Alagoas e da capital
federal, Brasília. Acreditava que o quimono já o havia levado longe demais –
quem diria o menino do Agreste pernambucano cruzando tantos estados?, ele
pensava - até receber a notícia de que embarcaria para um intercâmbio no
Canadá, graças ao judô. A vida de Donato agora é outra, mais próspera do que
era um ano atrás.
“Comecei a lutar em 2011, através de um programa social (Prefeitura
Presente) da Associação Carlos Tevano (em parceria com a Prefeitura de Garanhuns) para pessoas de baixa renda da cidade.
Nunca passou pela minha cabeça para onde o judô poderia me levar... Hoje,
quando subo no pódio, passa um filme”, conta Donato, que embarcou para o Canadá
em agosto de 2016, com o quimono e as expectativas na mochila. Contemplado pelo
Programa Ganhe o Mundo Esportivo, que leva jovens da rede estadual de ensino
para temporada de estudos em países de língua estrangeira, o rapaz se lembra de
ter recebido a notícia com euforia. Os pais, o autônomo José Carlos Donato e a
funcionária pública Maria Rejane Donato foram mais serenos: acolheram a
novidade com tranquilidade e lhe disseram que aquela era uma das oportunidades
da vida que não se deve perder. O menino partiu. Estudou inglês, praticou
francês e treinou judô em Quebec, onde se hospedou com família canadense e
aprendeu a conviver com o frio de 2ºC.
A evolução como atleta, segundo ele, foi acelerada pela valorização da
prática esportiva no país estrangeiro, um dos principais destinos para os quais
seguem mais de mil estudantes pernambucanos todos os anos através do Ganhe o
Mundo, distribuídos entre países de língua inglesa e castelhana. “Foi uma
experiência fantástica, tanto pelo treinamento, como pela convivência em outra
sociedade. As pessoas eram extremamente educadas, além de valorizarem demais os
esportes”, conta Donato. Idioma, alimentação e condições climáticas foram
entraves temporários à adaptação, o verão era mais quente e o inverno, muito
mais frio que os de Garanhuns. O processo de amadurecimento, contudo, não ficou
restrito à América do Norte: continuou em curso após o retorno para casa, em
outubro de 2016.
“Ele voltou meio de salto alto, querendo mostrar umas técnicas novas que
ensinaram por lá… mas logo aprendeu as lições que precisava e se tornou um
atleta mais completo”, conta o treinador, o judoca pernambucano Carlos Tevano,
de 51 anos. Foi ele quem acolheu Carlos Donato na Associação de Judô,
referência no município, mesmo quando o programa social que conduziu o jovem ao
judô foi suspenso. Tevano, cujo currículo reúne títulos como atleta e treinador
em campeonatos brasileiros e internacionais, acreditava desde o princípio no
potencial do rapaz. Foi o principal incentivador do intercâmbio e foi, ainda,
quem primeiro lhe ofereceu uma atividade remunerada: hoje, Donato dá aulas na
academia para meninos entre 3 e 15 anos de idade.
Para formar um grande atleta, Tevano sempre repete, é preciso primeiro
formar um bom cidadão. “Isso requer investimento financeiro, apoio familiar,
apoio público e até sorte. Preciso treinar meus atletas psicologicamente, não
basta ensinar as técnicas. Nisso, eu sempre digo aos meninos, qualquer viagem é
válida, por menor que seja. Porque cada vez que você viaja, você amadurece, se
fortalece, acumula novas experiências. Quanto mais uma bolsa de estudos em
outro país...”, explica o instrutor, que treina cerca de 120 alunos na
Associação. Tevano ensina judô há mais de três décadas, competiu por 22 anos na
seleção pernambucana e participou durante 14 da Liga Nacional, o que poderia
explicar a admiração de Carlos Donato pelo mestre. Mas o vínculo vai além dos troféus
e dos feitos. “Eu devo tudo a Tevano. Ele me deu a oportunidade de conhecer o
judô, me incentivou a persistir, me ensinou tudo. Quando estou mal, ele me
coloca para cima, me ouve, me aconselha”, conta o jovem. Foi com o treinador
que ele compartilhou todas as inseguranças antes da viagem e todas as
conquistas pessoais depois dela. E é ele quem diz que a maior evolução do
aprendiz tem sido de caráter pessoal. Há quase um ano, é um rapaz muito mais
forte.
Para o professor, a curiosidade e a disposição para aprender foram os
passaportes de Carlos para cruzar países e chegar tão longe, em sentido
geográfico e particular. “Foi o fato dele ser curioso que o trouxe aqui. Foi a
curiosidade, novamente, que o fez correr atrás do intercâmbio”, avalia o
treinador. “Nos últimos anos, ele acertou muito. Errou muito também. Mas soube
reconhecer, soube ouvir. Quando você aceita uma crítica, quem mais cresce é
você. Hoje você pode ser campeão, amanhã já será outro e isso é bom. Se você
acerta tudo, não aprende”, diz. O jovem concorda e se diz orgulhoso dos valores
conquistados através do judô, conhecido como “o esporte individual mais
coletivo de todos”, já que os golpes se “alimentam” da postura e força do
oponente, não somente da aptidão do competidor.
“O judô ensina muito sobre respeito, lealdade, justiça e compaixão. São
princípios que deveriam ser seguidos por todo mundo. Imagine como seria o mundo
se todo mundo buscasse prosperidade e crescimento mútuo… É um esporte
transformador”, conta Donato, que treina todos os dias e segue dieta sazonal
para manter a forma física, rotina mantida também no Canadá. Graças à paixão
pelo esporte, o rapaz cursa Educação Física em universidade particular de
Garanhuns e pretende passar adiante as lições que recebeu do mestre Tevano,
seguindo carreira como atleta e treinador. E deixa claras as raízes dos planos:
“Sair de casa me fez valorizar ainda mais o que tenho aqui, o pai que Tevano
tem sido para mim. Tenho ele como inspiração, quero ser um reflexo de quem ele
é, do que me ensinou todos esses anos.” Prosperidade e crescimento mútuo,
Donato garante, são o ponto de partida para o futuro que ele sonha em ter. (Com informações de Larissa Lins/Diario de Pernambuco e Imagens de Rafael
Martins/DP. CONFIRA)