Garanhuns completa nesta quarta-feira, dia 10, duzentos e dez anos de criação. Isso mesmo, hoje é dia de comemorarmos a Data Magna da Cidade, o Dia de Garanhuns, considerado por alguns como o real Aniversário da Cidade, que no último dia 4 de fevereiro, vivenciou seus 142 anos de elevação a categoria de Cidade.
O
Dia de Garanhuns foi criado com base em estudos do Instituto Histórico e
Geográfico de Garanhuns (IHGCG), que defendeu, com a apresentação de documentos
históricos, a tese de que o Município ao ser elevado à categoria de Vila,
em 10 de março de 1811, ganhou toda uma organização e estrutura
política, jurídica e econômica, com a Câmara de Vereadores, a Comarca e a
Cadeia, instituições que caracterizam a condição de Cidade. Desde 2014, o
Município passou a vivenciar a comemoração sempre no segundo domingo de março. Se
você quer saber mais sobre o Dia de Garanhuns clique AQUI e confira tese
enviada pelo Professor Marcos Renato Franzosi Mattos ao IHGCG.
MUDANÇA – E justamente no Dia de Garanhuns, a Câmara de Vereadores estará reunida pela apreciar, em segunda votação, um Projeto de Lei de autoria do vereador Alcindo Correia (PTB), que oficializa os festejos do aniversário de Garanhuns no dia 4 de fevereiro, como acontecia até 2013, inclusive devolvendo a comemoração do Feriado Municipal.
Na
primeira votação o projeto foi aprovado com 14 votos
favoráveis. Apenas os vereadores Gersinho Filho (PTB) e Matheus
Martins (PSD) votaram contrários ao Projeto apresentado por Alcindo.
Gersinho, inclusive, já prevendo que o Projeto seria aprovado, apresentou
Emenda à Lei Municipal nº 3946/2013, que versa sobre os feriados em
Garanhuns. Ele defende que o dia 4 de fevereiro seja considerado como
Ponto Facultativo e não Feriado, haja vista que, segundo Ele, os prejuízos
financeiros que serão gerados com a criação do 5º Feriado Municipal.
Estimada colega professora Ivonete Xavier
Presidente do IHGCG
Como professor, servidor público, ambientalista e cidadão,
parabenizo o Instituto Histórico, Geográfico e Cultural de Garanhuns (IHGCG)
pela sua atuação técnica, científica e profissional em defesa dos patrimônios do
município.
Enquanto atuante no Conselho Municipal de Defesa do Meio
Ambiente de Garanhuns (CODEMA), constantemente percebo como em alguns temas o
CODEMA e o IHGCG têm atribuições comuns, como por exemplo, na preservação de
patrimônios culturais e históricos, já considerados pela UNESCO e outros órgãos
também como patrimônios ambientais, uma vez que ambiente abrange tudo que nos
cerca, inclusive patrimônios material e imaterial.
Também nos assuntos ligados à geografia física, em especial
nosso peculiar relevo, com as colinas ou montes, os vales, as nascentes, as
poucas matas que ainda restam, nosso clima, tão ressaltado nos documentos
históricos desde, pelo menos o século XVII, e que tanto dependem da preservação
de nossas matas e montes.
Parabenizo, mais uma vez, o IHGCG pela constante defesa da história,
dos fatos e acontecimentos. Quando nos atentamos à história, aos fatos, a
verdade e o interesse público, difuso e coletivo, prevalecem. Ao contrário,
quando se tenta distorcer os fatos, quando se efetuam manobras para ressaltar
interesses momentâneos, geralmente fúteis, ou pelo menos, não muito
republicanos, o prejuízo é justamente para o coletivo. Isso vale tanto para
questões ambientais, quanto históricas.
Como exemplo, temos a depredação de patrimônios locais construídos,
como alguns casarões ou elementos ligados à história municipal, como da
ferrovia, em troca de uma infundada justificativa de crescimento econômico.
Vão-se os patrimônios para sempre, mas o almejado crescimento decorrente da
dilapidação do patrimônio, mais uma vez se comprovou ser apenas fumaça,
promessa sem lastro. Até a própria data de fundação de Garanhuns, elevada a sua
total autonomia por Carta Régia, assinada então de próprio punho pelo então Príncipe
Regente do Reino de Portugal, em 1.811, um verdadeiro privilégio à época, agora
está sendo minimizada por uma data mais recente (04 de fevereiro de 1.879). Esta
última, fundada em uma Lei provincial burocrática, longe dos fatos históricos,
geográficos e culturais que fizeram Garanhuns e, hierarquicamente, bastante inferior
ao ato do então Príncipe Regente, a pedido do então governador. O nome
Garanhuns, mais especificamente o Quilombo Garanhuns, já surge comprovadamente
ainda no final do Século XVI nos documentos relativos à Guerra dos Palmares.
Muito antes de 1.879, Garanhuns possuía Câmara de Vereadores, representação judiciária,
policial, religiosa, tudo o que configura um município, tendo a Lei provincial a
função de ajuste das nomenclaturas então em vigor. Em 1.874, 68 anos depois do próprio
Regente reconhecer a soberania de Garanhuns, já haviam sido criados outros
municípios com história muito mais recente, alguns desmembrados da própria Garanhuns.
Como seria possível um município filho ser mais velho que o município mãe?
Cientificamente e tecnicamente não seria. Parece óbvio, mas nem sempre o óbvio
e coerente prevalecem, tanto nas questões ambientais, quanto históricas, geográficas
e culturais.
Eu entenderia se, como acontece no mundo inteiro, se
procurassem mudar a Data Magna ou a data de aniversário do município remontando
à sua origem primária, sua povoação original, no caso de Garanhuns, talvez
fosse a criação da Fazenda Garcia, ou talvez o Quilombo Garanhuns, o que se
daria antes do ano de 1.670. Também entenderia se defendessem ser o aniversário
a data em que Garanhuns adquiriu o reconhecimento de “Comarca”, de “Termo”.
Talvez o ano de 1.699, ao se tornar o “Julgado de Garanhuns”, quando, salvo
engano, já era a “sede da capitania do Sertão do Ararobá”, antes mesmo de se
tornar a sede da Freguesia de Santo Antônio de Garanhuns. Muitos municípios em
todo o mundo associam a criação de estrutura religiosa oficial como data de
fundação. Poderia, assim, ser considerada a data da criação da Freguesia, do Curato,
do Vicariato ou da Paróquia, ou mesmo então remeteria à doação, por parte de
Simôa Gomes, à Confraria das Almas, voltando a data para 1.756. Neste último
caso, seria equivalente à tantos outros municípios, como por exemplo o de São
Paulo, capital do estado homônimo, que comemora sua fundação com a criação, em
1.554, de um núcleo para fins de catequização de indígenas, então apenas uma
cabana de pau a pique coberta com folhas de palmeira. De fato e de direito,
Garanhuns “aparece no mapa” e nos documentos muito antes de 1.879 ou 1.811.
Mas certamente, o que decorre desta ideia de desconsiderar as
datas anteriores, em especial a de 1811, é uma dificuldade de se entender o
significado de "Vila" e de "Cidade" no tempo do Brasil
Colônia e Império. Aparentemente, um desconhecimento de filologia ou de mesmo
de história. Pelo menos é o que eu prefiro acreditar. Dizia meu falecido avô
que: “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”. Então, como eu não sou
historiador e nem filólogo, recorro aos que o são para não correr o risco de repetir,
perpetuar e difundir erros, equívocos, inverdades. Assim, recorro, por exemplo,
ao texto de Maria Helena de Paula e Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida, na
revista Revista (Con)Textos Linguísticos (v. 10 n. 17, 2016), que ao efetuar
extensa pesquisa de fontes da época sobre essas terminologias, identificou que,
para o Brasil da época:
"Vila compreende uma povoação em
que o número de habitantes é superior ao número de moradores de uma aldeia
(arraial) e inferior à povoação encontrada em uma cidade". De outro modo,
a cidade define-se enquanto um povoado de proporções maiores às de uma
vila". (pp 158-159)
Mas ambos, “cidade” e “vila”, necessitavam ter, pelo menos,
juiz, câmara e pelourinho. Em conclusão, identificaram que, à época, “o único
fator diferenciador entre as vilas e as cidades é o seu limite territorial
urbanizado”. Ou seja, Vila e Cidade eram juridicamente a mesma coisa, variando
única e somente, a quantidade de habitantes urbanos. Algo como "cidade
grande" e "cidade pequena", remetendo aos termos atuais.
De forma semelhante, na Tese de doutorado de Edison Favero na
USP (de 2004) está didaticamente descrito, para não sobrar dúvidas, o
significado da terminologia “vila”, “cidade”, “termo”, “município”, dentre
outros, desde as raízes do Império Romano, até a legislação da República do
Brasil. Nesse sentido, para Favero, Município é:
“divisão administrativa de origem
romana, levada pelos romanos para a Península Ibérica, e de Portugal trazida para
o Brasil; equivalente a vila; menor unidade territorial político-administrativa
autônoma”. (p.228)
Ainda segundo Favero, o termo “Vila” significava “Sede do Termo,
unidade político-administrativa autônoma equivalente a município, trazida de Portugal
para o Brasil no início da colonização (...), tendo perdurado até fins do
século XIX”. Nesse levantamento, o autor também identificou que, para a autonomia
administrativa, ou seja, para ser vila/município, “deveria possuir câmara e
cadeia, além de um pelourinho”, que Garanhuns já os possuía de muito antes. Termina
informando que “vila” e “município” eram termos equivalentes, mas município só
poderia ser utilizado na sede do Império (Portugal) e jamais em terras não
emancipadas (Brasil Colônia). Para encerrar a dúvida, o autor destaca que o
termo “cidade” nada mais era do que um título honorífico, concedido pela Casa
Imperial, às vilas e municípios, antes da Proclamação da República, ou seja, sem
nada acrescentar às suas autonomias. Na prática, as vilas maiores recebiam esse
título, tornando-se “cidade grande”, em termos atuais.
No próprio discurso do Barão de Nazaré a Câmara Provincial,
ao propor a elevação à categoria de cidade, que deu origem à Lei Provincial de
1879, o referido parlamentar deixa claro que se tratava de uma menção, de um
título honorífico, relatando que “a Vila de Garanhuns é uma das mais antigas e
notáveis desta província” e que “com a elevação à categoria de cidade, nenhum
ônus virá aos cofres provinciais”. Ou seja, essa ausência de ônus demonstra,
irrefutavelmente, que nada se alterou administrativamente, pois já era vila e
administrativamente autônoma desde 1811, conforme consta no discurso. Por fim,
o parlamentar então destacou como justificativa que “Garanhuns é já bastante
grande", ou seja, reforça que se tratava de um título honorífico, por ter
a cidade se tornado “cidade grande”.
Para não me alongar mais, vou apenas citar o cronista Dom
Domingos Loreto Couto, mais especificamente sua monumental e magnífica obra
"Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco", de 1.757, na qual
cita no início do Capítulo 4º do Livro Terceiro: "Recife cidade populosa,
com o nome de Villa". Ou seja, “cidade” e “vila” à época eram juridicamente
a mesma coisa, apenas variando de tamanho da área urbana. No caso, o autor
defendia que Recife merecia o título de cidade, por ser populosa. A mesma obra
cita ainda, dentre outras, as "villas" de Igarassu, Ciará (atual
Fortaleza-CE) e Alagoas (atual Maceió-Al). Esta última, por exemplo, a
"nobre Villa das Alagoas", mesmo recebendo a nomenclatura de vila,
segundo esse autor possuía "seiscentos vizinhos", "muitos Engenhos",
era sede de Comarca, possuía gerência sobre muitas “freguesias” e possuía
"muitos sumptuosos Templos". Repito: mesmo assim, era apenas uma vila.
Claro que a discussão da “data de aniversário” não é algo que
vá modificar diretamente as nossas vidas cotidianas de garanhuenses, porém,
certamente, buscar trazer a data para 1.879 é, no mínimo, mais uma das
tentativas de menosprezar a importância histórica da “Terra dos Garanhuns”,
conforme descreveu João de Deus de Oliveira Dias. E, estranhamente, esse
demérito parte justamente de dentro de Garanhuns, um tipo de autossabotagem
como tantas outras que Garanhuns já presenciou ao longo de sua história.
É interessante e triste ao mesmo tempo que nesse específico quesito
histórico, não seja aos historiadores que se tenha recorrido para sanar as dúvidas
históricas. Se eu estou com uma dúvida médica, consulto um médico. Uma dúvida
linguística, consulto um linguista. Para uma dúvida histórica, consulto um
historiador ou, melhor ainda, Garanhuns tem o privilégio de ter um Instituto
Histórico, Geográfico e Cultural. Desta forma, então, seria só consultar o
Instituto, o melhor fórum para essa discussão. Porém, não é isso o que vem
acontecendo e, infelizmente, não é um fato isolado. Em tempos atuais, a ciência
vem sendo sistematicamente atacada pelo obscurantismo de forma que até a
esfericidade da terra não conseguiu escapar dessa tentativa néscia de desconstrução,
quiçá um “mero Instituto” ou um mero patrimônio ou meros 68 anos ou mais de gloriosa
história.
Independente da data de fundação da povoação, Garanhuns foi
juridicamente criada no Brasil colônia, se manteve administrativamente
emancipada durante o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, durante o
Império do Brasil e durante todo o período republicano. Certamente o tempo, o senhor
da razão, demonstrará as verdades históricas.
Enfim... Desejo sucesso e longa vida ao IHGCG e aos que
labutam de forma hercúlea pela sua manutenção e crescimento, mesmo com todas as
dificuldades que permeiam o caminho.
Respeitosamente e ao dispor.
Marcos Renato Franzosi Mattos
Professor da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco
(UFAPE)