As livrarias estão cheias de
livros com receitas para ser mais feliz, para ser mais saudável, para ser um
eficiente e, claro, para fazer alimentos. A ficção, no entanto, costuma
procurar ser o oposto disso: uma boa narrativa serve mais para desfazer manuais
do que para reiterá-los. É por isso que o título do volume de contos Receita
para Se Fazer um Monstro (Record), do escritor garanhuense Mário Rodrigues,
brinca com o termo – trata-se de uma anti¬autoajuda, uma série de anti-fábulas,
como descreve o autor.
A obra de Mário foi uma das vencedoras
do Prêmio Sesc de Literatura deste ano na categoria contos. Hoje, a partir das
19h, no Sesc Santa Rita, ele faz o lançamento do livro no Recife junto com
Franklin Carvalho, da Bahia, que venceu a categoria de romance da honraria com
Céus e Terra.
Mário, que tem dois romances
publicados, já havia batido na trave em edições anteriores: ficou entre os
finalistas e ganhou menção honrosa. “Recomendo o prêmio para autores inéditos
por dois motivos. Primeiro, a Record é uma das editoras com melhor distribuição,
que é um problema no Brasil. Depois, porque o Sesc faz um roteiro com os
autores vencedores para lançamentos e eventos, o autor circula junto com o
livro”, destaca.
Receita para Se Fazer um
Monstro é um volume de contos dividido em sete partes. Com trechos curtos, de
cerca de duas páginas cada, traz relatos da infância – e de parte da
adolescência – de um mesmo personagem, o que empresta para o volume um ar de
romance. “É um híbrido. De fato, queria brincar com a fronteira dos gêneros,
com a ambiguidade. Acho que o livro funciona como um caleidoscópio: dependendo
de como você o observar, ele fica diferente”, explica. “Queria deixar o leitor
na corda-bamba entre os dois formatos.”
INFÂNCIA - No livro, o narrador é sempre o mesmo: um adulto sem
nome, que conta as histórias de quando era criança. Ele (e um pouco de cada um
de nós) é o monstro de que o título fala, e sua vida é a receita. “Eu penso
muito na estrutura do livro antes de fazê-lo. Antes de começar, eu queria fazer
um livro sobre a maldade – afinal, vivemos em um mundo racista, misógino,
homofóbico. Queria entender de onde vem a maldade. E voltei à infância, pois
dizem que lá você encontra a explicação do adulto. E a infância é cruel”,
conta.
Os contos mostram um
personagem que sofre um tratamento cruel da mãe e do irmão e, ao mesmo tempo, é
capaz de humilhar ou agredir sem piedade os colegas e desafetos. “Cazuza fala
da inocência cruel das crianças. E, nos anos 1980, a infância era mais cruel:
ainda não havia o politicamente correto”, aponta. Com ironia, o narrador vai
falando das lições, sempre sádicas e cínicas, que foi tirando de cada vingança,
agressão e perversão.
Mário fala de Receita para Se
Fazer um Monstro como uma anti-fábula não é por acaso: se elas tentam
domesticar a infância com uma moral bem explicada, as histórias do livro trazem
morais invertidas, dicas para ser um humano pior. “Quis revelar um universo que
desromantiza a infância. Não há esperança nem ali e nem na vida adulta”,
define.
Os contos também possuem uma
unidade na forma da escrita. O leitor pode procurar, mas em nenhum momento vai
encontrar uma vírgula sequer na obra: o narrador-personagem prefere os
travessões e os dois pontos, que o lembram de espingardas de cano duplo. “Além
do tema e do personagem, sempre penso antes na linguagem do livro. A ideia era
mostrar como a maldade foi infundida no personagem pela mãe, pelo irmão, pelas
brincadeiras, como ela ficou na veia dele mesmo. A linguagem desse sujeito
precisava ser bruta, crua. Ele quebra as frases no meio como quebra os ossos e
dentes dos outros meninos”, reflete.
Autor de Garanhuns, Mário é
mais dos talentos literários da cidade, que revelou nos últimos anos nomes como
Helder Herik e Nivaldo Tenório, que criaram juntos a editora U-Carbureto. É
difícil especular a razão de tantos escritores consistentes juntos. “Pernambuco
como um todo é forte literariamente. Poderia romantizar Garanhuns com o frio e
o Festival de Inverno, mas não é isso. É uma coincidência termos surgidos ao
mesmo tempo, na mesma geração. Somos, mais do que autores, grandes leitores,
leitores críticos”, defende Mário, que cita outros nomes promissores como Paulo
Gervais, Mateus Rocha e Wagner Marques. (Com
informações e imagens do Jornal do Commercio. CONFIRA)