segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Jornal do Commercio registra “A Geração de Ouro de Garanhuns”


As livrarias estão cheias de livros com receitas para ser mais feliz, para ser mais saudável, para ser um eficiente e, claro, para fazer alimentos. A ficção, no entanto, costuma procurar ser o oposto disso: uma boa narrativa serve mais para desfazer manuais do que para reiterá-los. É por isso que o título do volume de contos Receita para Se Fazer um Monstro (Record), do escritor garanhuense Mário Rodrigues, brinca com o termo – trata-se de uma anti¬autoajuda, uma série de anti-fábulas, como descreve o autor.

A obra de Mário foi uma das vencedoras do Prêmio Sesc de Literatura deste ano na categoria contos. Hoje, a partir das 19h, no Sesc Santa Rita, ele faz o lançamento do livro no Recife junto com Franklin Carvalho, da Bahia, que venceu a categoria de romance da honraria com Céus e Terra.

Mário, que tem dois romances publicados, já havia batido na trave em edições anteriores: ficou entre os finalistas e ganhou menção honrosa. “Recomendo o prêmio para autores inéditos por dois motivos. Primeiro, a Record é uma das editoras com melhor distribuição, que é um problema no Brasil. Depois, porque o Sesc faz um roteiro com os autores vencedores para lançamentos e eventos, o autor circula junto com o livro”, destaca.

Receita para Se Fazer um Monstro é um volume de contos dividido em sete partes. Com trechos curtos, de cerca de duas páginas cada, traz relatos da infância – e de parte da adolescência – de um mesmo personagem, o que empresta para o volume um ar de romance. “É um híbrido. De fato, queria brincar com a fronteira dos gêneros, com a ambiguidade. Acho que o livro funciona como um caleidoscópio: dependendo de como você o observar, ele fica diferente”, explica. “Queria deixar o leitor na corda-bamba entre os dois formatos.”

INFÂNCIA - No livro, o narrador é sempre o mesmo: um adulto sem nome, que conta as histórias de quando era criança. Ele (e um pouco de cada um de nós) é o monstro de que o título fala, e sua vida é a receita. “Eu penso muito na estrutura do livro antes de fazê-lo. Antes de começar, eu queria fazer um livro sobre a maldade – afinal, vivemos em um mundo racista, misógino, homofóbico. Queria entender de onde vem a maldade. E voltei à infância, pois dizem que lá você encontra a explicação do adulto. E a infância é cruel”, conta.

Os contos mostram um personagem que sofre um tratamento cruel da mãe e do irmão e, ao mesmo tempo, é capaz de humilhar ou agredir sem piedade os colegas e desafetos. “Cazuza fala da inocência cruel das crianças. E, nos anos 1980, a infância era mais cruel: ainda não havia o politicamente correto”, aponta. Com ironia, o narrador vai falando das lições, sempre sádicas e cínicas, que foi tirando de cada vingança, agressão e perversão.

Mário fala de Receita para Se Fazer um Monstro como uma anti-fábula não é por acaso: se elas tentam domesticar a infância com uma moral bem explicada, as histórias do livro trazem morais invertidas, dicas para ser um humano pior. “Quis revelar um universo que desromantiza a infância. Não há esperança nem ali e nem na vida adulta”, define.

Os contos também possuem uma unidade na forma da escrita. O leitor pode procurar, mas em nenhum momento vai encontrar uma vírgula sequer na obra: o narrador-personagem prefere os travessões e os dois pontos, que o lembram de espingardas de cano duplo. “Além do tema e do personagem, sempre penso antes na linguagem do livro. A ideia era mostrar como a maldade foi infundida no personagem pela mãe, pelo irmão, pelas brincadeiras, como ela ficou na veia dele mesmo. A linguagem desse sujeito precisava ser bruta, crua. Ele quebra as frases no meio como quebra os ossos e dentes dos outros meninos”, reflete.

Autor de Garanhuns, Mário é mais dos talentos literários da cidade, que revelou nos últimos anos nomes como Helder Herik e Nivaldo Tenório, que criaram juntos a editora U-Carbureto. É difícil especular a razão de tantos escritores consistentes juntos. “Pernambuco como um todo é forte literariamente. Poderia romantizar Garanhuns com o frio e o Festival de Inverno, mas não é isso. É uma coincidência termos surgidos ao mesmo tempo, na mesma geração. Somos, mais do que autores, grandes leitores, leitores críticos”, defende Mário, que cita outros nomes promissores como Paulo Gervais, Mateus Rocha e Wagner Marques. (Com informações e imagens do Jornal do Commercio. CONFIRA)