terça-feira, 24 de julho de 2018

Promotor recorre a Desembargador para que Peça Polemizada seja Apresentada dentro da Programação do FIG


O Ministério Público de Pernambuco, por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, recorreu da decisão do Juiz Enéas Oliveira da Rocha, da Vara da Fazenda Pública de Garanhuns, e solicitou ao Desembargador Evio Marques da Silva, que determine ao Governo do Estado de Pernambuco que reinclua, em 24 horas, a peça “O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu”, que traz uma atriz transsexual no papel de Jesus Cristo, na programação do Festival de Inverno de Garanhuns deste ano.

O pedido de Concessão da Tutela provisória de Urgência Satisfativa foi assinado pelo Promotor Domingos Sávio e encaminhado a Segunda Turma da Câmara Regional de Caruaru, do Tribunal de Justiça de Pernambuco no dia de ontem, 23 de julho. Além da reinclusão, o MP também quer que o Estado e o Município estimulem “o diálogo entre os produtores da peça e os demais parceiros e a população em geral, desfazendo mal-entendidos e preconceitos, e garantindo a segurança necessária à referida apresentação”.

CANCELAMENTO - "O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu", cuja atriz transexual Renata Carvalho é a estrela principal, faz uma releitura de Jesus como se ele vivesse nos dias atuais como uma travesti, partindo da ideia de que Cristo viveria entre os marginalizados. O Espetáculo foi retirado da programação do 28º FIG, pelo Governo do Estado, após a posição contrária do Prefeito Izaías Régis; reforçada por vários membros da sociedade local, através das redes sociais e de Instituições Religiosas, inclusive a Igreja Católica, que se pronunciou via nota assinada pelo Bispo Dom Paulo Jackson.

Saiba mais sobre esse assunto clicando AQUI.

Clique AQUI e confira o Agravo de Instrumento apresentado pelo MP na Integra. 





MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA CIDADANIA
COMARCA DE GARANHUNS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR RELATOR DA SEGUNDA TURMA DA CÂMARA REGIONAL DE CARUARU, DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO:

 O Ministério Público do Estado de Pernambuco, por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania, no uso de suas atribuições legais, vem perante V. Exa., nos termos dos artigos 1.015 e seguintes do Código de Processo Civil, pelas razões adiante expostas, interpor AGRAVO DE INSTRUMENTO da decisão do Exmo. Sr. Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Garanhuns, que negou pedido de tutela provisória de urgência nos autos da Ação Civil Pública nº 0003751-54.2018.8.17.2640.

1.    RELATÓRIO

O Ministério Público ingressou com ação civil pública de obrigação de fazer, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada, em face do Estado de Pernambuco e do Município de Garanhuns, em defesa do direito difuso a um Estado e a um Município garantidores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, como previsto pelo constituinte já no preâmbulo da Constituição Federal, e que não se submetam a qualquer tipo de discriminação.
Aduziu o Ministério Público, em síntese: o Governo do Estado anunciou enfaticamente o Festival de Inverno de Garanhuns – FIG 2018, com o tema “Um Viva à Liberdade!”, divulgando no dia 25/06/2018, que “o FIG será novamente um território livre para fruição da nossa diversidade, da liberdade criativa e de todas as vivências artísticas e culturais, expressão da nossa própria identidade como povo”; em 29/06/2018, em entrevista a rádio local, o Sr. Prefeito afirmou que não permitiria a apresentação, em prédio público do Município, do monólogo “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu", justificando que adotou a atitude “como cristão e em respeito à população cristã de Garanhuns, que é a grande maioria, 99 ou 100% da população”;  após a manifestação do prefeito, a presidente da Fundarpe, Márcia Souto, afirmou que a peça estava programada pra ser encenada no Sesc local, voltada para público adulto, às 23h, com capacidade entre 70 e 100 pessoas; o secretário de cultura reiterou que havia ainda outras alternativas de espaço para a exibição e que a escolha da peça, como as demais, foi um processo de curadoria pública que o Festival de Inverno faz há décadas; a atriz protagonista do monólogo, Renata Carvalho, declarou-se aberta ao diálogo com os opositores da peça e expôs como propósito do monólogo a reflexão sobre a exclusão, criminalização e violência contra os travestis e transexuais; após manifestações da Câmara Municipal e da Diocese de Garanhuns contra a inclusão da referida peça na programação, o Governo do Estado recuou e anunciou em 30/06, por meio de nota, a sua exclusão da Mostra de Teatro Alternativa do Festival de Inverno de Garanhuns de 2018, “diante da polêmica (...) e da possibilidade de prejuízos das parcerias estratégicas e nobres que o viabilizam”; em face da situação que se tornou pública e notória e do recuo do Estado diante das pressões recebidas, e após verificar que a peça, ao contrário do apregoado por alguns setores, trata-se de um drama e não apresenta o propósito de fazer ofensa a nenhuma crença, mas sim o de estimular a  reflexão sobre a discriminação social, especialmente dos travestis e transexuais, recorrendo aos valores cristãos do amor, do perdão, da tolerância e da solidariedade, estando em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana,  esta Promotoria de Justiça, em conjunto com integrantes da Comissão de Promoção dos Direitos Homoafetivos do Ministério Público de Pernambuco e do Núcleo Regional da Defensoria Pública do Estado, recomendou ao secretário estadual de cultura e à presidente da Fundarpe a revisão da decisão de cancelamento da peça – ressalvada a discricionariedade administrativa, a qual, todavia, não admite submissão a qualquer forma de discriminação; diante do não acolhimento da recomendação, o Ministério Público ingressou com ação civil pública, requerendo a condenação do Estado e do Município pela prática de discriminação contra a população homoafetiva - especialmente os transexuais -, e da violação do seu dever de garantidores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, condenando-os ao pagamento de indenização por danos morais coletivos a ser revertida em campanhas contra a discriminação da população homoafetiva, especialmente dos transexuais; o Ministério Público requereu ainda a tutela provisória de urgência para que seja determinado ao Estado de Pernambuco a reinclusão, em 24 horas, na  grade de programação do FIG/2018 - “Um viva à liberdade!” - da referida apresentação teatral que foi regularmente selecionada pela Curadoria do Festival, sendo prevista para o dia 26/7, destinada a um público adulto, às 23h, com capacidade entre 70 e 100 pessoas, conforme a própria secretaria estadual de cultura e Fundarpe informaram – determinando-se também ao Estado e ao Município que diligenciem para estimular o diálogo entre os produtores da peça e os demais parceiros e  a população em geral, desfazendo mal-entendidos e preconceitos, e garantindo a segurança necessária à referida apresentação.
Após ouvir o Estado, o juízo “a quo” indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, afirmando, em síntese, que o cancelamento seria um ato discricionário do Estado, baseou-se em “critérios que traduzem o princípio do respeito ao sentimento religioso da comunidade” e que não haveria o periculum in mora porque a peça já teria conseguido recursos para se apresentar de maneira particular.
É o breve relatório.

2. DAS RAZÕES RECURSAIS
2.1  . DA EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA PELO ESTADO DE PERNAMBUCO

A oportunidade e a conveniência que integram o conceito de discricionariedade não se confundem com a oportunidade e a conveniência da Administração ou de sua gestão, mas devem convergir com o interesse público.
Permitam-nos, por adequar-se à questão em tela, invocar as seguintes lições dos professores Carlos Alexandre Michaello Marques, Clarice Gonçalves Pires Marques (disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=11083&n_link=revista_artigos_leitura)., ,

“Demonstrando pioneirismo e posição de destaque na doutrina nacional, Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 53) resolve a celeuma conceituando Interesse Público como: “o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”.
Por estar-se diante de um conceito jurídico indeterminado, é importante fazer algumas distinções para melhor situar o conceito deste iminente autor. A Administração Pública, quando analisada, traz sempre consigo a importância de considerar a supremacia do interesse público sobre o interesse privado, inclusive por sua função de princípio implícito do Direito Administrativo.
Desse modo, deve-se ter claramente que os interesses individuais, particulares ou de um grupo de influência não podem e não devem ter o condão de incutir novas formas de operar na Administração em que não estejam presentes os ditames legais e principiológicos, porquanto esses interesses não representam o bem geral, o bem comum.
A grande problemática estabelecida nos últimos séculos, superada essa distinção preliminar, é oriunda principalmente dos conceitos de Estado existentes a partir de 1500. A identidade reconhecida entre o interesse público, interesse do Estado e o interesse soberano neste período não prospera nos dias atuais, sob pena de subverter-se todo sentido dado ao interesse público.
(...)
Convém salientar que o interesse público não pode ser considerando como o interesse do aparato administrativo ou da pessoa do agente público. O Estado através de seus braços administrativos e por relacionar-se com os demais entes públicos ou privados torna-se um sujeito de direito. Por essa premissa pode deter conveniências em relação à sociedade e aos demais sujeitos, deixando em segundo plano o interesse público.
(...)
Thêmis Limberger parafraseando Eduardo García Enterría, expoente maior da doutrina, explica que:
“[...] a discricionariedade é essencialmente uma liberdade de eleição entre alternativas igualmente justas, ou seja, entre critérios extrajurídicos (de oportunidade, econômicos etc.), não previstos na lei, e conferidos ao critério subjetivo do administrador. Os conceitos jurídicos indeterminados constituem-se em um caso de aplicação da lei, já que se trata de subsumir em uma categoria legal.” (1998, p. 111)”

Aplicando tais lições ao caso concreto, verifica-se que não há justiça na exclusão de uma apresentação que, até prova em contrário, foi prévia e regularmente selecionada pela curadoria responsável por aprovar a programação do FIG 2018, quando essa exclusão dá-se em face de manifestações contrárias, ainda que compreensíveis, mas não assimiláveis pelo estado democrático de direito na medida em que exigem a retirada da peça, dada a manifesta intolerância de tal exigência, aliás, intolerância reconhecida pelo próprio Estado na resposta escrita da Secretaria de Cultura à recomendação do Ministério Público (documento em anexo).
Ora, se o próprio Estado de Pernambuco reconhece a intolerância das manifestações contrárias que visaram a impedir a apresentação, não existe, no caso, espaço para a discricionariedade administrativa, pois o ordenamento jurídico não se submete a preconceitos e discriminações – “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (…) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º da Constituição Federal).
2.2. DO CARÁTER INDETERMINADO DO CONCEITO JURÍDICO DE SENTIMENTO RELIGIOSO
Datissima vênia, a respeitabilíssima decisão recorrida invoca um conceito jurídico indeterminado – “sentimento religioso” – para justificar o cancelamento da apresentação – sem, contudo, dizer qual a relação desse conceito com o caso concreto.
O artigo 489 do Código de Processo Civil estabelece:
“§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
(...)
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;”

Em que, concretamente, consiste esse “respeito ao sentimento religioso da comunidade”?
A qual sentimento religioso o Estado deve se curvar?
Ao sentimento religioso da fraternidade, da justiça e da igualdade e do amor universal?
Ou ao “sentimento religioso” da intolerância?
Esse “sentimento religioso” é reconhecido aos transexuais e aos homoafetivos em geral?
Ou o “sentimento religioso da comunidade” e a espiritualidade são propriedade exclusiva dos heterossexuais?
Em que uma peça que invoca ficticiamente – e até prova em contrário de forma respeitosa - a figura de Jesus Cristo para tratar da discriminação e da exclusão dos transexuais, significa desrespeito ao “sentimento religioso da comunidade”?
A não ser que façamos uma associação automática entre transexualidade e ofensa, o que seria uma conclusão preconceituosa.
Verifica-se, assim, que, ao se referir a conceito indeterminado  - “sentimento religioso” - sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso, a decisão, datissima vênia, não foi suficientemente fundamentada, devendo ser reformada também nesse aspecto.

2.3. DA NECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO DO EXAME DA RELAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DO SENTIMENTO RELIGIOSO, DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DA DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
A justa relação entre os princípios do sentimento religioso e da liberdade de expressão - tão caros e arduamente conquistados pela sociedade no Estado Democrático-Liberal de Direito - precisa ser aprofundada, de maneira a se evitarem extremismos, de um lado ou de outro, e de maneira que a Administração Pública não acolha manifestações açodadas, preconceituosas ou danosas.
O Estado não pode admitir que o sentimento religioso, corolário da liberdade de crença – de natureza pessoal ou comunitária -, impeça outras manifestações igualmente legítimas – inclusive, como no caso sob exame, também de conteúdo religioso - e que em nada impedem ou ofendam objetivamente o exercício de qualquer direito de crença e a celebração dos cultos correlatos.
Referência nesse tema é o caso abordado pelo STF – Supremo Tribunal Federal, em 11/04/2014, ao examinar a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário com Agravo 790.813.
Embora o STF não tenha apreciado o Recurso Extraordinário, por entender ausente o requisito da repercussão geral (apesar de entendimento diverso do relator origina), o histórico do caso, abaixo transcrito, aponta luzes para a questão, sendo útil, mutatis mutandi, ao caso concreto objeto deste agravo (os destaques são nossos):

Decisã o so bre Rep ercu ssão Ger al
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
11/04/2014 PLENÁRIO
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
790.813 SÃO PAULO
RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO
REDATOR DO ACÓRDÃO: MIN. DIAS TOFFOLI
RECTE.(S) :INSTITUTO JUVENTUDE PELA VIDA E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) :RENATO RESENDE BENEDUZI E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) :ABRIL COMUNICAÇÕES S/A
ADV.(A/S) :ALEXANDRE FIDALGO
ADV.(A/S) :ANA PAULA FULIARO E OUTRO(A/S)
Direito constitucional. Convivência entre princípios. Limites. Recurso extraordinário em que se discute a existência de violação do princípio do sentimento religioso em face do princípio da liberdade de expressão artística e de imprensa. Publicação, em revista para público adulto, de ensaio fotográfico em que modelo posou portando símbolo cristão. Litígio que não extrapola os limites da situação concreta e específica. Plenário Virtual. Embora o Tribunal, por unanimidade, tenha reputado constitucional a questão, reconheceu, por maioria, a inexistência de sua repercussão geral.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por maioria, reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. Não se manifestou o Ministro
Roberto Barroso.
Ministro DIAS TOFFOLI
Redator para o acórdão


Manife staçã o sob re a Rep erc ussão Ger al
REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
790.813 SÃO PAULO
Repercussão Geral no Recurso Extraordinário Com Agravo 790.813
São Paulo
RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) :INSTITUTO JUVENTUDE PELA VIDA E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) :RENATO RESENDE BENEDUZI E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) :ABRIL COMUNICAÇÕES S/A
ADV.(A/S) :ALEXANDRE FIDALGO
ADV.(A/S) :ANA PAULA FULIARO E OUTRO(A/S)
DECISÃO E PRONUNCIAMENTO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO –REVISTA “PLAYBOY” – FOTO DE ATRIZ DESPIDA COM ROSÁRIO À MÃO – CONFLITO DE PRINCÍPIOS – TUTELA DO SENTIMENTO RELIGIOSO VERSUS LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍTISTICA – VEDAÇÃO DE CENSURA PRÉVIA – ARTIGOS 5º, INCISO VI, E 220 DA CARTA DA
REPÚBLICA – AGRAVO PROVIDO NOS PRÓPRIOS AUTOS – SEQUÊNCIA – REPERCUSSÃO GERAL –CONFIGURAÇÃO.
1. O Gabinete prestou as seguintes informações:
O Instituto Juventude Pela Vida e Luiz Carlos Lodi da Cruz interpuseram recurso extraordinário, inadmitido nab re a Rep erc ussão Ger alorigem, com o objetivo de reformar julgado da Oitava Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo acórdão está assim resumido:
Imprensa. Pedido de proibição de veiculação de revista. Desrespeito ao sentimento religioso. Matéria com fotos que, na visão dos autores, ofendem este sentimento. Censura prévia vedada. Ação improcedente. Recurso provido.
Os recorrentes formalizaram ação de obrigação de não fazer contra a Editora Abril com o propósito de inibir a circulação da edição de agosto de 2008 da revista “Playboy”, porquanto veiculada foto da atriz Carol Castro despida, em página inteira, tendo à mão direita um rosário identificado pelas contas e pelo crucifixo. Alegaram ofensa ao sentimento
religioso. Foi deferida, parcialmente, tutela antecipada para impedir a distribuição de novas revistas presente a imagem contestada, mantidas, nas bancas e em outros pontos de comércio, aquelas já postas em venda. No mérito, o Juízo deu provimento parcial ao pedido nos termos assentados quando do pronunciamento liminar.
O Tribunal de origem reformou o julgado, asseverando não ser a inadequação da imagem suficiente a inviabilizar a divulgação da edição do periódico, ausente prova de ofensa objetiva a indivíduo ou a instituição específica. Ressaltou pressupor “considerações ideológico-subjetivas” o acolhimento da pretensão dos autores, o que extrapolaria os estreitos limites de motivação de toda e qualquer prestação jurisdicional. Ante o fato de haver-se buscado, no ensaio fotográfico, retratar
personagens femininos de Jorge Amado, consignou revelarem as obras do autor “instrumentos adequados de educação e visualização cultural de um povo em determinado espaço e tempo”. Evocou a decisão do Supremo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.451/DF, relator ministro Ayres Britto, julgada em 2 de setembro de 2010, para concluir pela transgressão, no caso concreto, à liberdade de expressão, configurada censura ao ato de proibir a circulação da revista. Frisou ainda ausência de afronta aos artigos 187 do Código Civil e 5º, inciso XXXV, da Carta da República.
No extraordinário, interposto com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, os recorrentes sustentam, em preliminar, a repercussão geral da questão veiculada. Quanto ao mérito, dizem do equívoco, no acórdão atacado, relativamente a entender tutela judicial preventiva, envolvidas liberdades de expressão e de imprensa, como censura prévia.
Afirmam ser esse um “perigoso precedente generalizante”.
Apontam o artigo 5º, inciso XXXV, da Carta, para destacarem que o direito constitucional à proteção jurisdicional, incluída a apreciação de ameaça a direito, alcança a imprensa e, com mais
razão, atividades pornográficas, que não podem ser equiparadas àquela ou a jornalismo. Mencionam que a censura prévia proibida é a administrativa, a qual não se confunde com o exercício de jurisdição pelo Poder Judiciário.
Aduzem que a exibição de um rosário em imagem erótica consubstancia abuso da liberdade de expressão e ofensa ao sentimento religioso, tutelado nos artigos 5º, inciso VI, da Constituição e 208 do Código Penal. Salientam não haver motivo político, jornalístico ou artístico a justificar a publicação, apenas o desejo de causar polêmica e, assim, aumentar os lucros. Assinalam não ser a proibição pleiteada limitação à evolução da sociedade ou ao acesso à cultura e à própria democracia. Pedem seja dado provimento ao recurso e reformado o acórdão atacado, para impedir a recorrida de publicar fotografias que vilipendiem símbolos religiosos.
A Editora Abril, em contrarrazões, defende o acerto do pronunciamento recorrido. Em preliminar, aponta a deficiência de fundamentação quanto à inobservância ao artigo 5º, inciso XXXV, da Carta de 1988, a pretensão de reexame fático e probatório bem como a ausência de prequestionamento e de repercussão geral da matéria.
No mérito, sustenta ser a fotografia impugnada “uma verdadeira manifestação de arte” “dentro dos valores constitucionais permitidos no Estado Democrático de Direito” – artigos 5º, inciso IX, e 220 da Constituição. Alega não configurarem pornografia as publicações da revista Playboy, mas atividade de imprensa. Cita a autonomia e o discernimento de senso crítico do público adulto, alvo do periódico. Ressalta que não foi utilizada, no acórdão recorrido, a “imunidade judicial do ofensor ” como fundamentação, mas que apenas veio a ser assentada a inexistência de violação ao sentimento religioso.
Sublinha o propósito de homenagear Jorge Amado ante a correlação entre o título da matéria – “Carol, Cravo e Canela” – e a memorável obra do autor – “Gabriela, Cravo e Canela”.
Argumenta serem as personagens de Jorge Amado mulheres católicas praticantes, religiosas, mas “também sensuais”, que “despertam desejos de outros personagens”, razões pelas quais ter sido montada a fotografia da forma como foi, sem que isso representasse desrespeito ao catolicismo ou a qualquer crença.
Aduz competir à sociedade definir o que é moral e eticamente aceitável em uma democracia, não podendo o Judiciário substituí-la. Alude à laicidade da República brasileira e ao dever de tratamento igualitário ao pluralismo de culto religioso – artigo 19, inciso I, da Carta.
O recurso foi inadmitido na origem, sob os fundamentos da ausência de repercussão geral no tocante à afronta ao princípio do devido processo legal e de impossibilidade do
reexame de questões de fato.
No agravo, interposto visando a sequência do extraordinário, os recorrentes sustentam o equívoco da decisão, porque não estariam envolvidas discussão concernente ao devido processo legal e revisão de provas.
Em contrarrazões, a recorrida diz do acerto do pronunciamento.
O recurso foi protocolado no prazo legal e subscrito por profissional regularmente habilitado.
2. Eis controvérsia a ser solucionada por um Tribunal encarregado da guarda maior da Carta da República.
Conforme asseverado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assentou consubstanciar censura prévia e violação da liberdade de expressão artística a proibição de circulação de revista contendo foto de mulher despida com rosário à mão. Os recorrentes alegam que atividades pornográficas não se confundem com imprensa e que a associação do rosário a imagem erótica revela abuso da liberdade de expressão e ofensa
ao sentimento religioso.
Presente conflito entre direitos fundamentais, compete ao Supremo definir, com vista à orientação de casos futuros, o equilíbrio adequado entre bens tão caros à Constituição e à sociedade brasileira como o são as liberdades religiosa e de expressão artística. Cabe elucidar se a jurisprudência do Tribunal acerca das garantias de imprensa é observável
no tocante às publicações destinadas ao público adulto, ou mesmo se essas, por si sós, são merecedoras da tutela prevista nos artigos 5º, inciso IX, e 220 da Carta Federal.
3. Conheço do agravo e o provejo, determinando a sequência do extraordinário e reconhecendo configurada a repercussão geral.
4. Insiram o recurso no denominado Plenário Virtual.
5. Ao Gabinete, para acompanhar a tramitação do incidente.
6. Uma vez admitido o citado fenômeno, colham o parecer da Procuradoria Geral da República.
7. Publiquem.
Brasília, 26 de fevereiro de 2014.
Ministro MARCO AURÉLIO
Relator


Depreende-se que o ordenamento jurídico, conforme entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, acima exposto, não admite o impedimento ou a discriminação de atividade artística em função de “sentimentos religiosos” puramente subjetivos e indefinidos; do contrário, estaríamos frustrando uma forma básica de expressão do ser humano – a livre manifestação artística, que não poucas vezes é apontada como caminho para o espiritual - e a própria noção de espiritualidade, que pressupõe a liberdade do indivíduo para buscá-la e desenvolvê-la – não podendo ser resultado de imposições e restrições que não encontram amparo no Direito.
Nesse sentido, o Estado não pode alegar discricionariedade administrativa para se submeter a restrições sem amparo jurídico.
Deve o Estado, diante do conflito de interesses com reflexos em princípios constitucionais, ouvir os interessados e promover o DIÁLOGO entre os mesmos, com serenidade e firmeza, sem, todavia, jamais, submeter-se a exigências da intolerância, mas sim promovendo o respeito mútuo e a convivência pacífica entre diferentes.
Verifica-se na resposta da Secretaria Estadual de Cultura, através de seu próprio parecer técnico, que “a apresentação do espetáculo teatral O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu contribui ao evento e à difusão do Teatro em Pernambuco, por seus atributos técnicos, artísticos e profissionais” e que a apresentação está de acordo com “as respectivas políticas públicas (art. 16 da Lei nº 14.104/2010)”.
Dizer que os selecionados para o FIG não têm direito líquido e certo à efetiva contratação, como afirma a secretaria estadual de cultura - não dá o aval para excluí-los em face de pressões resultantes de intolerância reconhecida pelo próprio Estado.

2.4. DO PERICULUM IN MORA NO CASO CONCRETO
Acolhendo alegação do Estado, o respeitável magistrado a quo afirma que não haveria mais urgência do pedido porque a peça já teria obtido a garantia de sua apresentação particular.
Ocorre que, como destacamos na ação civil pública, o cerne do pedido do Ministério Público não é a peça teatral, mas o dever do Estado de ser garantidor da liberdade e de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, não se subordinando o Estado a qualquer forma de discriminação. A apresentação particular depende exclusivamente do grupo privado e não é objeto da ação civil pública, a qual busca sanear evidente caso de discriminação institucional praticada pelo Estado de Pernambuco e pelo Município de Garanhuns, numa clara violação ao princípio basilares do estado democrático-liberal de direito, patrimônio social de todos os brasileiros.
A urgência do pedido decorre exatamente do transcurso do Festival de Inverno de Garanhuns – que segue até o dia 28/7 - e da iminência da data inicialmente prevista para apresentação da referida peça – 26/7.
3.    DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, Exmo. Sr. Desembargador Relator, o Ministério Público requer a concessão da tutela provisória de urgência satisfativa para que seja determinado ao Estado de Pernambuco que reinclua, em 24 horas, na  grade de programação do FIG/2018 - “Um viva à liberdade!” - a referida apresentação teatral regularmente selecionada, que estava prevista para o dia 26/7, para um público adulto, às 23h, com capacidade entre 70 e 100 pessoas, conforme a própria secretaria estadual de cultura e Fundarpe informaram – determinando-se também ao Estado e ao Município que diligenciem para estimular o diálogo entre os produtores da peça e os demais parceiros e  a população em geral, desfazendo mal-entendidos e preconceitos, e garantindo a segurança necessária à referida apresentação.
Garanhuns, 23 de julho de 2018.

Domingos Sávio Pereira Agra
Promotor de Justiça