segunda-feira, 22 de julho de 2013

Reflexões sobre a tela escura durante a Mostra de Cinema do FIG

De olhos fechados, fui ao cinema. Não poderia ser outro filme senão “Era uma vez eu, Verônica”, obra exibida com o recurso de audiodescrição durante a Mostra de Cinema do FIG 2013. Entre 35 pessoas com deficiência visual, me deixei guiar unicamente pelo som, informação que, quantitativamente, corresponde a 50% de um filme. Em determinados momentos, a tentação de assistir a uma ou outra cena foi grande, pois a narração aplicada sobre o som original atiçou a curiosidade. Fui bravo e me mantive no escuro.

Antes de se tornar imagem e som, o cinema é 100% palavra. Do roteiro ao filme, milhares de possibilidades se tornam uma. O caminho inverso ocorre do filme à audiodescrição, e se torna inevitável que as palavras provoquem a imaginação. Pensei então em como meus colegas estavam “vendo” os personagens. Trinta e cinco Verônicas na voz de Hermila Guedes e 35 Gustavos na voz de João Miguel ganharam vida naqueles 96 minutos.

Não foi bem o meu caso, pois no ano passado já havia visto o filme de Marcelo Gomes no Festival de Brasília e, portanto, já tinha referências como de fotografia, cenário e biotipo dos atores/personagens. Em vez disso, me apeguei às informações trazidas pela trilha de áudio, que ganharam força com a ausência da imagem. O tom da voz dos atores, ruídos do ambiente, a trilha sonora de Karina Buhr se tornaram meu guia sensorial pela crise de Verônica.

Aplicada sobre o som original, a audiodescrição tem um formato que lembra as antigas radionovelas. A diferença é que o locutor faz uma interpretação neutra, quase mecânica, mesmo em cenas intensas como a do carnaval em Olinda. Um pouco de emoção e descrições técnicas (sobre o filme, não só sobre a história) cairiam bem para colocar a “arte da visão” – como Federico Fellini batizou o cinema – ao alcance de novas plateias.

APROVADA - A sessão de “Era uma vez eu, Verônica” foi celebrada pelos membros da Associação de Deficientes Visuais do Agreste Meridional. “O filme é muito interessante, o áudio foi maravilhoso, deu para compreender muito bem”, disse Edna Fernandes dos Santos, que mora no município de Lajedo. Ela já havia acompanhado uma peça de teatro com audiodescrição, mas, no cinema, foi a primeira vez. Edna se identificou com a história contada pelo filme. “Em algum momento da vida, todos passam por confusões, no trabalho ou no casamento”.


A audiodescrição de “Era uma vez eu, Verônica” se tornou realidade após o filme de Marcelo Gomes ter ganho o troféu Vagalume de melhor filme no Festival de Brasília, concedido pelo projeto Cinema para Cegos. Tarsila Tavares, que coordenou o trabalho, conta que o processo foi supervisionado pelo professor da UFPE Francisco Lima. “A ideia é lançar um DVD com audiodescrição e trabalhar com outras linguagens acessíveis daqui pra frente, como o projeto aprovado pelo Funcultura, que aplicará audiodescrição e tradução em libras de dez curtas pernambucanos, com início previsto para agosto desse ano. A meta é aplicar as linguagens nos filmes escolhidos e garantir o acesso gratuito a ele, com a distribuição do DVD com a ‘coletânea’ de filmes em centros de pesquisa, associações, projetos sociais, bibliotecas públicas e escolas”. (Por André Dib/Fundarpe)