sábado, 20 de julho de 2013

Bate-papo com escritores de Garanhuns



Ser professor de literatura em Garanhuns é meio caminho andado para se tornar escritor. Curiosamente, a cidade no Agreste pernambucano tem cena literária protagonizada por autores que dividem o tempo entre salas de aula e a produção de obras. A paixão pelas letras uniu Helder Herik, Mário Rodrigues e Nivaldo Tenório, poeta, romancista e contista, respectivamente, para a criação do selo u-Carbureto, por onde publicam os próprios livros. Eles também compõem as atividades literárias do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), até a próxima sexta-feira (26).

A programação está concentrada no pavilhão Praça da Palavra (Bairro de Heliópolis), onde acontecem palestras, cursos, recitais e lançamentos. Neste ano, o evento traz como convidado o escritor Xico Sá, e homenageia Luzinette Laporte, que começou a escrever após atuar 30 anos como professora. (PERNAMBUCO.COM)

Confira um bate-papo com os quatro escritores. 

O que acham da programação literária do FIG?

Mário Rodrigues  – O FIG é um momento que a cidade tem para funcionar como vitrine, mostrar seus valores em todas as áreas. Na literatura, as atenções se viram para escritores locais. Este ano, temos programação associada ao programa de rádio Café Colombo, que por meio de entrevistas faz a ponte com o Recife. A presença de Xico Sá, um nome da literatura nacional, encorpa o evento. Isso tudo abre oportunidades para a gente entrar em contato com jornalistas, escritores e com o público. Também para escoar essa nossa produção literária, mostrar nossa existência.

 Nivaldo Tenório – É uma coisa nova no FIG. As iniciativas da Fundarpe no quesito literatura sempre foram muito tímidas. No começo tínhamos oficinas, mas depois pararam de ser ministradas pelos escritores e foram direcionadas para professores. Por muito tempo o evento não teve literatura na programação, vazio que era preenchido pela programação do Sesc. Houve mais espaço na época em que Raimundo Carrero era presidente da Fundarpe, e agora está voltando por causa de Wellington de Melo. Essa coisa de estabelecer conversa com escritores da cidade é bem interessante.

A visibilidade continua a render frutos depois do evento?

Nivaldo Tenório -  Isso funciona melhor para músicos que têm oportunidade de se apresentar nos palcos descentralizados, mesmo que o público não seja expressivo. Como o evento é muito grande, acredito que acaba dando certo também para escritores locais que querem mostrar seus livros, serem vistos. Para falar mais do que isso, ainda é cedo.

Como enxergam a homenagem à Luzinette Laporte?

Mário Rodrigues  – É uma escritora da terra que todos nós gostamos e com a qual nos identificamos muito.

Helder Herik – Luzinete é uma das maiores escritoras do estado. Homem com girassóis no olhar é um dos livros mais importantes dos últimos dez anos publicados em Pernambuco. Ela usa metáfora da passagem do tempo como se fosse um semáforo. Enquanto o homem espera para atravessar para o outro lado, reflete sobre a existência, sobre o que fez da vida. Está fraco, envelheceu, não tem como voltar atrás. É um livro denso, extremamente humano. Além disso, é uma pessoa adorável, de bom papo. Meu terceiro livro é dedicado a ela.

 Luzinette Laporte – Me sinto espantada, impressionada como as pessoas me olham desse jeito. Não sou nada disso. Homero Fonseca quando apresentou Roliude em Garanhuns falou muito sobre mim, que eu publiquei texto dele com 18 anos… Então essas coisas vão ficando. Sempre agradeço muito a Deus por tudo.

 Nivaldo Tenório – Sou bastante chegado a Luzinette, uma ótima escritora. Por causa da subjetividade, da reflexão, muitos críticos apressados vincularam a escrita dela a Clarice Lispector,  mas ela própria negou essa relação.

 Luzinette Laporte - Não neguei, fiquei envaidecida, mas como poderia ter uma visão diferente de mim mesma? Foi um choque. Fiquei muito satisfeita, mas não como se fosse uma cópia, mas como se tivesse a mesma “alma”…  o mesmo modo de pensar e sentir a vida.


Mesmo que não proceda, a comparação foi um grande elogio…

Luzinette Laporte – Não tenho uma maneira de escrever muito atrativa. Também tenho livros infantis, e neles escrevo com linguagem para criança. Mas quando escrevi os livros para o público adulto, fui falando para eles, e fico muito alegre em saber que são bem aceitos. É alegria, nao é vaidade. É como uma mãe que tem um filho e todo mundo acha ele bonito. (risos)

Mário, Herik e Nivaldo, vocês criaram o selo u-Carbureto, por meio do qual publicam os próprios livros. Como isso tem funcionado para cada um?

Helder Herik – A proposta é de todo ano publicar um livro de cada um de nós, e também de abrir espaço para escritores da cidade que queiram participar.

Nivaldo Tenório – Gostaríamos de publicar livros de pessoas com estilos diferentes, mas acabamos publicando apenas os nossos, por diletantismo, por puro prazer.  Embora a gente leve literatura muito a serio, não há profissionalismo. Mesmo assim temos sido incentivados e reconhecidos, tanto pelo conteúdo quanto pela proposta editorial. A tendência é profissionalizar e levar para a frente.

Quais as publicações mais recentes? Há algum lançamento previsto?

Mário Rodrigues – O meu mais novo, Brazil, 2014, não chega a ser romance social, mas tem reflexão sobre questões sociais que considero importantes. O título ironiza a Copa do Mundo, um acontecimento que chancela que o Brasil está se tornando um país diferente, a ponte de sediar grandes eventos. Na realidade, sofremos de grandes problemas, como o preconceito racial, a violência, as segregações. Aqui em Garanhuns, está à venda nas livrarias Mec, Café e na programação literária do FIG.

 Nivaldo Tenório – Sou o tipo de escritor que fica fazendo e refazendo os textos, e acabo demorando para publicar. Mas fiquei bem animado com a boa recepção que teve Dias de febre na cabeça. A matéria publicada no Diario de Pernambuco, em abril deste ano, abriu portas. Depois dela, o livro ganhou outras quatro resenhas bastante generosas e elogiativas, uma delas de Raimundo Carrero. Eu apareci. As pessoas estão me cumprimentando, dizendo que leram meu livro… Isso nunca aconteceu na minha vida. Então em dois anos, no máximo, quero estar com outro livro publicado.

Que dificuldades são mais comuns?

Helder Herik – Tem aquilo de ser ignorado na própria cidade, enquanto tem seu nome sendo feito no Recife. Santo de casa não faz milagre. Você escreve aqui mas não atinge muitas pessoas, embora seu material tenha qualidade. Há dificuldade com distribuição, logística, divulgação…

 Mário Rodrigues – Todo mundo que publica de maneira independente enfrenta grandes obstáculos. Meu romance A curva secreta da linha reta teve certa repercussão e aceitação aqui em Garanhuns, mas muito disso se deve ao fato de eu ser professor, ter muitos alunos. É difícil sair desse nicho e atingir outros lugares, até mesmo o Recife. Ficamos muito restritos.

 Helder Herik – Existem outros escritores com material pronto, mas talvez com dificuldades. Nós temos ânsia de publicar. Nossos livros saem com a mesma qualidade dos vendidos pela Companhia das Letras ou pela Record, mas ficamos com os livros em casa. Nos perguntamos: e agora? Como fazer circular?

 Nivaldo Tenório – A distribuição é dificil, mesmo. Mas, no fundo, não estamos preocupados com isso. Não queremos que os livros cheguem para milhares de pessoas. Temos em comum o fato de nos preocuparmos em mostrar os livros a um editor, a um crítico literário… a buscar respostas nesse universo. Queríamos mesmo era sermos publicados por uma grande editora.

Há um ambiente propício à literatura em Garanhuns?

Mário Rodrigues – Sim, existe uma cena literária, que até um tempo atrás era dispersa, e com o tempo veio ganhando consistência. O mais relevante, acredito, é que não apenas se escreve, mas há a consciência do fazer literário e a vontade de produzir uma obra relevante.

 Luzinette Laporte – Garanhuns é uma cidade riquíssima. Nossos escritores são otimos. Digo para eles enviarem livros para fora, para ganharem prêmios. Eles escrevem bem, escrevem gostoso, de um jeito que a gente aproveita a leitura, mas não divulgam isso. O primeiro livro infantil que escrevi vendeu cinco edições no Sul e Sudeste. Aqui ninguém tem. Não dá para ficar só no seu lugarzinho, não.

É curioso notar que além de escritores, vocês quatro são professores…

Helder Herik – Outros autores que conheço também estão ligados às letras. Parece ser uma característica de Garanhuns. No meu caso, venho tentando reduzir minha carga horária pela metade, pois tenho projeto de escrever sempre, tanto poesia (da alma, da angústia, da filosofia, do gracejo),  quanto livros infantis. Não quero ser conhecido como um professor que escreve, mas um escritor que, por questão de sobrevivência, dá aulas.

 Mário Rodrigues  – A gente está inserido em um mundo moderno, cheio de possibilidades, e a literatura é apenas mais uma delas. Na sala de aula tento fomentar interesse pelos livros, mas tenho consciência de que nem todo aluno vai responder a isso. Em 10% deles, os olhos brilham quando falamos em literatura, então o papel do professor é identificar esses estudantes e trabalhar para que o interesse continue mesmo depois de deixarem o âmbito escolar. Como diz o escritor Milton Hatoum, a literatura é a arte da pequena minoria.

 Nivaldo Tenório – Mário e Helder são professores com carga horária extensa. Dou aulas apenas eventualmente. Sou funcionário público, e trabalho meio expediente, então me sobra mais tempo.

 Luzinette Laporte – Fui professora por 30 anos e 7 meses. Às vezes Nivaldo me conta que se sente decepcionado em dar aula. Mas digo a ele que não fique assim, pois os jovens estão se procurando, ainda não se encontraram, estão com a cabeça cheia de interrogação. Se ele deixar de ensinar, deixa de aprender.

Os alunos costumam ler os livros dos professores?

Helder Herik – Sim, eles formam boa parte do público. Estou com o livro A invenção dos avós pronto, mas não quero lançar no FIG por medo de não ter grande público, pois as pessoas se dispersam. Devo lançar em agosto, com a volta às aulas. (PERNAMBUCO.COM)