Essa é destaque no Jornal do Commercio de hoje, dua 3/9/2017:
“Da fome à fama. Duas palavras
antagônicas separadas por um artigo. E por uma corrida. Antes de 21
quilômetros, foi preciso correr para ter o que comer. Mais do que uma medalha,
estar de pé para recebê-la é a maior vitória. Eis a saga de um ex-lavrador que
saiu da pequena Brejão, no Agreste pernambucano, com pouco mais de 9 mil
habitantes, para ser o número um em uma tradicional corrida do País. Fazendo
jus ao sobrenome, José Márcio Leão, 26 anos, mostrou a força que tem ao vencer
a Meia Maratona do Rio no dia 20 de agosto. Honrando sua origem, provou ser,
antes de tudo, um forte.
Força colhida da terra.
Brotada junto com o feijão e o milho do pequeno roçado que sustentava uma
grande família. Nada menos que 14 irmãos tinha o pequeno José. Portanto não
demorou a aprender que do pouco tinha que se fazer muito. Logo o garoto teve
que se fazer homem. Com cinco anos, o brinquedo passou a ser a enxada. “Vivia
dentro dos matos. Trabalhava o dia inteiro, algumas vezes cheguei até a dormir
na roça. Fazia de tudo. Já trabalhei em cima de caminhão de cenoura, ia pegar
lenha na mata pra vender na rua. Ralei muito. Vendia muita verdura, meu pai faz
isso até hoje”, contou José.
Regou a roça com suor até os
11 anos e nesse período o menino/adulto conheceu a dor que um vazio pode
causar. Sobretudo quando é interno. “Quando ia trabalhar sem comer, a vista as
vezes chegava a ficar meio escura. Muitas vezes voltava pra casa cansado e não
tinha comida. Mas isso é normal, entendeu?”, questionou Leão, com a
naturalidade de quem teve que entender que o indispensável não existe em uma
dispensa vazia.
O rito de procurar e não achar
se repetiu não só nas prateleiras, mas também em relação à figura materna. Com
a mesma idade que começou a trabalhar viu a mãe deixar o lar. “Ela abandonou
meu pai e a gente. Muitos anos depois cheguei a ver minha mãe. Ela estava
morando perto de Arapiraca (AL). Comprei um sitiozinho pra ela e trouxe ela de
volta pra Brejão porque o marido que arranjou lá vivia maltratando ela. Mas
depois ela foi embora de novo e perdi o contato”, disse, resignado. Quem
carregou a família não fez o mesmo com a mágoa. “Não sei porque ela não gosta
da gente, mas não tenho raiva não. Mãe é mãe, né? Espero que Deus coloque ela
num bom lugar”, afirmou Leão, sem nem sinal de ressentimento na voz.
Calejado pelos baques da vida,
assim como as mãos pelos golpes de enxada, resolveu usar os pés para sair da
terra que o criou - e tanto o modificou. Decidiu correr. Não dos problemas,
esses sempre os enfrentou. Mas sim correr por um objetivo. Um sonho. “Não foi
vendo ninguém na TV não, fui eu mesmo que resolvi sozinho. Eu sempre gostei
desde pequeno de correr. Rapaz, sei explicar não! Mas eu senti que nasci pra
isso”, contou Leão.
Todavia, colher sonhos em vez
de verduras também não foi fácil. Uma decisão corajosa colocada a prova a cada
dia que pisava no novo terreno: as estradas. “Quando me viam passando, ficavam
me chamando de doido. Diziam que era pra eu parar de correr e arrumar um
trabalho, que corrida não tinha futuro e nunca ia ganhar nada com aquilo”,
relembrou. Com o troféu da Meia Maratona do Rio nas mãos, deu um riso tímido.
“Acho que os caras que falavam isso me assistiram quando passei na televisão.
Devem ter lembrado que me chamaram de doido e isso deve ter doído na
consciência deles”, contou.
Mas o incansável Leão quer
seguir contradizendo probabilidades e más línguas. E já fez isso há exatamente
uma semana e quer fazer novamente hoje. No último domingo, venceu os 10
quilômetros da 32ª Corrida Duque de Caxias, de Jacobina, na Bahia, e neste
disputa o Circuito Qualidade Caixa, no Recife. “Ainda quero realizar mais e
estou de olho na Volta Internacional da Pampulha e na São Silvestre. Pretendo
vencer a primeira e pegar um pódio na segunda prova”, disse, otimista.
Para quem desafiou todos os
prognósticos, projetar vitórias em corridas é até fácil. Ter vencido na vida e
ser um atleta é o maior pódio que podia almejar. “Faço questão de dizer que
quem tiver um objetivo na vida não desista dele. Eu lutei, consegui e estou
aqui”, afirmou Leão, com a propriedade de quem colocou um artigo entre
“antônimos” e correu da fome para a fama.
A “CASA DOS SONHOS” DE GARANHUNS - Cinquenta metros quadrados, dois
quartos, uma sala, uma cozinha, um banheiro, um quintal, seis corredores e
vários sonhos. É isso o que se encontra no imóvel menos imóvel de Garanhuns.
Afinal, este não é um bom termo para designar a casa dos que vivem sempre em
movimento. A humilde residência da equipe de pedestrianismo municipal fica em
uma rua e bairro igualmente humildes da cidade. Bem diferente dos resultados
obtidos pelo grupo.
Resultados que vieram muito
antes de Leão. O precursor foi Marcos Antônio Pereira, que nasceu em um pequeno
distrito de Garanhuns. Assim como Leão, ele também deixou a vida de lavrador na
adolescência para seguir com a de corredor. Para isso teve o apoio do treinador
Adegilson Mendes, de 38 anos, conhecido como Bingo, que passou a orientar o
jovem atleta. No ano 2000, o técnico casou, construiu uma casa e convidou
Marcos, que ainda residia na zona rural, para morar com ele para poder se
dedicar melhor aos treinos.
Com bastante esforço, Marcos
retribuiu com títulos. Ele ganhou várias provas importantes pelo Brasil, entre
elas a Maratona Internacional do Rio de Janeiro, em 2009. “Marcos foi o
precursor dos corredores de Garanhuns. Todos se empenham e respeitam muito ele,
é a nossa referência. Muitos se integraram a equipe de pedestrianismo da cidade
por conta dele, inclusive o próprio Leão”, explicou Bingo.
Só que depois de Marcos vieram
outros corredores morar na casa do técnico, que foi ficando cada vez menor. Tão
pequena que foi preciso em 2014 alugar uma outra casa exatamente em frente a de
Bingo, no outro lado da rua. A proximidade é tanta que a rua mais parece um
corredor entre dois cômodos de uma mesma morada. “Atleta e treinador têm que
estar sempre perto. A casa funciona como uma espécie de concentração. O foco é
treinamento, os atletas têm que acordar e ir dormir pensando somente nas
provas”, garantiu Bingo.
A estrutura apesar de bem
simples, vem atraindo a atenção de vários corredores. Inclusive de fora de
Garanhuns. Hoje estão morando quatro de Garanhuns, um de Brejão e outro de
Correntes. E quem “toma conta” da casa é o pioneiro Marcos Antônio Pereira.
Atualmente, com o sucesso da equipe, a casa recebe apoios fundamentais para se
manter. “A comida vem por meio de uma parceria com uma empresa de alimentos.
Temos o apoio da Prefeitura de Garanhuns e o importante patrocínio do Cruzeiro,
que paga salários e ajuda nas viagens. Contamos também com o apoio logístico do
Governo Federal, através do qual ficamos hospedados em unidades militares nas
cidades pelo país”, detalhou.
A “casa dos sonhos” de
Garanhuns, que dá abrigo aos anseios de tantos atletas, só parece simples de um
ponto de vista, garante o treinador. “A casa é humilde como vocês estão vendo,
mas é dessa humildade que vem todos os resultados que nos orgulham a cada fim
de semana”, finalizou Bingo, dando um saudoso até logo. (Reportagem de Leonardo Vasconcelos e Imagens Bob Fabisak/Jornal do
Commercio. CONFIRA)