Por Amauri Medeiros
O Colégio Diocesano de
Garanhuns completa cem anos de existência. O cônego Pedro Magno Godoi, ao
escrever seu hino, música e letra, parecia ter a inspiração dos deuses:
"alto padrão de civismo e de glória, templo sagrado de luz e saber, és o
penhor de estupenda vitória que para nós o lutar é vencer"... Qual ex-aluno
que não sente profundo ao ouvi-lo tocar? Quantas imagens se nos passam pela
retina nesse dia comemorativo? Assoma, predomina a figura do padre Adelmar da Mota
Valença, que viveu integralmente voltado à difícil arte de formar gerações, de
plasmar caracteres.
Nos meados do século próximo
passado, jovens rebeldes, perdidos nos meandros da vida, eram encaminhados aos
cuidados do padre na tentativa de correção. A árdua tarefa era amansar essas
feras, domesticá-las, mostrando-lhes novos horizontes. Na maioria das vezes
sua missão era bem sucedida com inacreditáveis presteza e eficácia. Ele não
rezava pela cartilha daqueles que sempre exigem moral dos outros, embora sejam
delas desprovidos. Debaixo do seu aspecto austero, de sua fisionomia serrada,
escondia-se um rico tesouro de bondade. Sobrancelhas travadas, braços cruzados
sobre o peito, surgindo quando menos esperávamos, sobretudo nas eventuais
badernas de dormitórios. A maneira respeitosa de como se conduzia, e nos
conduzia, na sala de refeições, preocupava-se com os mínimos detalhes
comportamentais de seus meninos. Ferrenho antitabagista, antecipou-se às
campanhas contra o nocivo vício que faz adoecer e matar grande parte de nossa
população.
Quantas figuras marcantes que
despontaram e ainda despontam no cenário político, social e jurídico de
nosso Estado, não foram por ele "guiadas"? As privações das saídas
dominicais por mau comportamento, quando tirávamos nota baixa no Internato, nos
eram um suplício. Nessas saídas, vibrávamos com o seriado cinematográfico O
Vingador e Calunga, os passeios pelo parque Ruber Van Der Linden, as caminhadas
entre os eucaliptos do Euclides Dourado respirando o ar puro e revitalizante.
Entrevejo-o, padre Adelmar, fisionomia tensa, olhar atento, debruçado na
janela do Ginásio (naquela época ainda Ginásio...), na expectativa do desfile
de 12 de outubro: o volutear das formações, o rufar dos tambores, o estridor
das cornetas. O vento quase outonal soprava brando, fazendo com que esvoaçassem
de leve as flores que encobriam os caramanchões da Praça da Bandeira. Ao longe,
ressoava o apito nostálgico do trem que partia. O padre tudo vivenciava. Era a
força motriz, a alma propulsora daqueles rapazes inseguros, vibrantes e tímidos
que se angustiavam em busca de afirmação.
Repassam como num filme em
preto e branco, as lições de Moral e Cívica ministradas na capela anexa.
Naqueles instantes de recolhimento foram financiados os alicerces da cidadania.
Aprendíamos do compromisso evangélico que tínhamos de respeitar e amar os
semelhantes e do direito de sermos, no mínimo, por eles respeitados. Como nos
sentíamos envaidecidos quando transmudados em personagens históricos, ou do
cotidiano, que se movimentavam nos centros teatrais de dona Almira Valença. A
voz se soltava, deixada de lado a timidez e enchia o auditório onde exercíamos
os ensaios iniciais de oratória do professor Manoel Lustosa. O entusiasmo de
que éramos dominados quando recitávamos as primeiras estrofes românticas. Foi o
começo de nosso hábito pela leitura.
É natural que, quando falamos
do Colégio Diocesano de Garanhuns, e principalmente de seu centenário, a figura
do padre Adelmar, que o dirigiu durante 44, domine o cenário. Antes de terminar,
uma passagem interessante. Eu passava as férias em São Benedito do Sul, então município
de Quipapá e, com a idade de 14, 15 anos escrevia crônicas para o Jornal do
Commercio do Recife, com o pseudônimo de Zé do Mato, contando fatos regionais.
Certa feita, quando já adulto visitei o padre, ele me deu um presente: todas as
crônicas guardadas com esmero. Ressaltamos apenas algumas personagens que
fizeram parte de nossa época. Aqueles que os antecederam e aqueletros que os
seguiram e compõem a atual Diretoria merecem todo nosso apreço e
agradecimento por terem mantido o padrão de civismo e de glória.
Antes que o espaço finde,
relembranças carinhosas: Dom Geraldo, Levino Epaminondas, Arlinda Valença, Ivo
Amaral, Luzinete Laporte - o cérebro iluminado, Clóvis Almeida e sua corneta
mágica, meus irmãos e queridos pais. (Amauri
Medeiros - Opinião JC 10/10/2015)
* Homenagem especial para Manoel Neto Teixeira que registrou em livro a história do Diocesano. Amauri Medeiros é membro da Academia Pernambucana de Letras.
* Homenagem especial para Manoel Neto Teixeira que registrou em livro a história do Diocesano. Amauri Medeiros é membro da Academia Pernambucana de Letras.