sexta-feira, 9 de outubro de 2015

OPINIÃO: O Centenário do Diocesano


Por Amauri Medeiros

O Colégio Diocesano de Garanhuns completa cem anos de existência. O cônego Pedro Magno Godoi, ao escrever seu hino, música e letra, parecia ter a inspiração dos deuses: "alto padrão de civismo e de glória, templo sagrado de luz e saber, és o penhor de estupenda vitória que para nós o lutar é vencer"... Qual ex-aluno que não sente profundo ao ouvi­-lo tocar? Quantas imagens se nos passam pela retina nesse dia comemorativo? Assoma, predomina a figura do padre Adelmar da Mota Valença, que viveu integralmente voltado à difícil arte de formar gerações, de plasmar caracteres.

Nos meados do século próximo passado, jovens rebeldes, perdidos nos meandros da vida, eram encaminhados aos cuidados do padre na tentativa de correção. A árdua tarefa era amansar essas feras, domesticá­-las, mostrando­-lhes novos horizontes. Na maioria das vezes sua missão era bem sucedida com inacreditáveis presteza e eficácia. Ele não rezava pela cartilha daqueles que sempre exigem moral dos outros, embora sejam delas desprovidos. Debaixo do seu aspecto austero, de sua fisionomia serrada, escondia-­se um rico tesouro de bondade. Sobrancelhas travadas, braços cruzados sobre o peito, surgindo quando menos esperávamos, sobretudo nas eventuais badernas de dormitórios. A maneira respeitosa de como se conduzia, e nos conduzia, na sala de refeições, preocupava­-se com os mínimos detalhes comportamentais de seus meninos. Ferrenho antitabagista, antecipou­-se às campanhas contra o nocivo vício que faz adoecer e matar grande parte de nossa população.

Quantas figuras marcantes que despontaram ­ e ainda despontam ­ no cenário político, social e jurídico de nosso Estado, não foram por ele "guiadas"? As privações das saídas dominicais por mau comportamento, quando tirávamos nota baixa no Internato, nos eram um suplício. Nessas saídas, vibrávamos com o seriado cinematográfico O Vingador e Calunga, os passeios pelo parque Ruber Van Der Linden, as caminhadas entre os eucaliptos do Euclides Dourado respirando o ar puro e revitalizante. Entrevejo­-o, padre Adelmar, fisionomia tensa, olhar atento, debruçado na janela do Ginásio (naquela época ainda Ginásio...), na expectativa do desfile de 12 de outubro: o volutear das formações, o rufar dos tambores, o estridor das cornetas. O vento quase outonal soprava brando, fazendo com que esvoaçassem de leve as flores que encobriam os caramanchões da Praça da Bandeira. Ao longe, ressoava o apito nostálgico do trem que partia. O padre tudo vivenciava. Era a força motriz, a alma propulsora daqueles rapazes inseguros, vibrantes e tímidos que se angustiavam em busca de afirmação.

Repassam como num filme em preto e branco, as lições de Moral e Cívica ministradas na capela anexa. Naqueles instantes de recolhimento foram financiados os alicerces da cidadania. Aprendíamos do compromisso evangélico que tínhamos de respeitar e amar os semelhantes e do direito de sermos, no mínimo, por eles respeitados. Como nos sentíamos envaidecidos quando transmudados em personagens históricos, ou do cotidiano, que se movimentavam nos centros teatrais de dona Almira Valença. A voz se soltava, deixada de lado a timidez e enchia o auditório onde exercíamos os ensaios iniciais de oratória do professor Manoel Lustosa. O entusiasmo de que éramos dominados quando recitávamos as primeiras estrofes românticas. Foi o começo de nosso hábito pela leitura.

É natural que, quando falamos do Colégio Diocesano de Garanhuns, e principalmente de seu centenário, a figura do padre Adelmar, que o dirigiu durante 44, domine o cenário. Antes de terminar, uma passagem interessante. Eu passava as férias em São Benedito do Sul, então município de Quipapá e, com a idade de 14­, 15 anos escrevia crônicas para o Jornal do Commercio do Recife, com o pseudônimo de Zé do Mato, contando fatos regionais. Certa feita, quando já adulto visitei o padre, ele me deu um presente: todas as crônicas guardadas com esmero. Ressaltamos apenas algumas personagens que fizeram parte de nossa época. Aqueles que os antecederam e aqueletros que os seguiram ­ e compõem a atual Diretoria ­ merecem todo nosso apreço e agradecimento por terem mantido o padrão de civismo e de glória.

Antes que o espaço finde, relembranças carinhosas: Dom Geraldo, Levino Epaminondas, Arlinda Valença, Ivo Amaral, Luzinete Laporte - o cérebro iluminado, Clóvis Almeida e sua corneta mágica, meus irmãos e queridos pais. (Amauri Medeiros - Opinião JC ­ 10/10/2015)

* Homenagem especial para Manoel Neto Teixeira que registrou em livro a história do Diocesano. Amauri Medeiros é membro da Academia Pernambucana de Letras.