segunda-feira, 30 de maio de 2016

HECATOMBE: A Tragédia que abalou Garanhuns completará 100 anos


Essa foi destaque na Folha de Pernambuco de 29/05/2016:

“Uma história de vingança e poder que deixou um rastro de tragédia no município de Garanhuns completará 100 anos em janeiro de 2017. Denominado de Hecatombe de Garanhuns, o massacre marcado por rivalidades, desencontros e enganos, varreu as principais lideranças políticas do Município no começo do século passado, quando, pelo menos, 15 pessoas foram mortas.

Para resgatar o episódio, a Comissão do Memorial do Centenário da Hecatombe foi criada e prepara uma série de ações para os próximos meses. No dia 15, será lançada a biografia dos ex-prefeitos vítimas do massacre, como Manoel Antônio de Azevedo Jardim, Francisco Veloso da Silveira, Argemiro Tavares de Miranda e Júlio da Silva Brasileiro.

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No início do Século 20, o declínio da tradicional família Jardim na política de Garanhuns abriu espaço para o fortalecimento do grupo do Coronel Júlio Brasileiro. Sem uma oposição consolidada, a situação se reverteu em meados de 1916, quando o prefeito de Garanhuns, Francisco Vieira dos Santos, rompeu como líder político para construir um projeto independente no pleito de 1917, que contava como apoio de lideranças locais, como a própria família Jardim, e candidatos a cargos eletivos, como o Dr. José da Rocha Carvalho para Prefeito e Dr. Antônio Borba Júnior para subprefeito.

Como resposta, a ala governista lançou à majoritária o seu líder Júlio Brasileiro, que ocupava o cargo de deputado estadual. A eleição foi conturbada e o pleito acabou sendo anulado por suspeita de fraude eleitoral. Com a realização de uma nova eleição, Brasileiro concorreu sozinho e venceu, mas o destino ainda iria pregar uma trágica peça no gestor eleito. Durante a campanha, o Capitão Sales Vila Nova passou a criticar, duramente, por meio de artigos nos jornais do Recife, irregularidades dos protegidos do coronel Júlio Brasileiro. Contrariados com as acusações, aliados do Julismo, cobraram o fim dos artigos com ameaças de aplicar no capitão “uma surra de cipó de boi”, castigo considerado humilhante na época.

A PRIMEIRA MORTE - Com a insistência nas publicações de Vila Nova, os aliados de Júlio Brasileiro cumpriram a promessa. No dia 12 de janeiro de 1917, o Capitão foi surpreendido por seis indivíduos mascarados que o espancaram. Dois dias depois, seguiu para Recife como intuito de prestar queixa contra o Prefeito Eleito, sob o argumento de que ele seria o mandante das agressões. Por acaso, encontrou o rival no terraço do Café Chile, na praça da República, e, em um ato impulsivo de vingança, disparou contra o coronel Júlio Brasileiro, que morreu no local.

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Quando a notícia da morte do líder político chegou em Garanhuns, a viúva Ana Duperon teria declarado que não derramaria uma lágrima até que fosse vingada a morte do seu marido. Membros e aliados da família alimentaram a ideia de que o Capitão teria sido apenas um instrumento da vingança de inimigos políticos do prefeito eleito. Um sentimento de profundo ódio invadiu os aliados de Brasileiro que reuniram um grupo de desordeiros e capangas armados com rifles para se dirigir a cidade em busca dos inimigos políticos do patriarca da família.

No entanto, muitos deles foram avisados e se esconderam. Diante do caos instalado, o subdelegado Antônio Rosa procurou Ana, a viúva do coronel Brasileiro. Na ocasião, foi arquitetado um plano maquiavélico: abrigar todos os inimigos do Julismo na cadeia pública, sob a promessa de que estariam seguros.

O MASSACRE - Aliado da família Brasileiro, o tenente Meira Lima convenceu as lideranças políticas de que a cadeia era intransponível. Estava montada a armadilha. Um grupo com mais de cem cangaceiros se dirigiu ao local. O comandante da guarda, Cabo Cobrinha, até reagiu. No entanto, a guarda, fragilizada pela sabotagem do tenente - que havia retirado a munição -, foi facilmente derrotada e os soldados foram mortos.

Os adversários do Julismo chegaram a receber revólveres escondidos dentro de guardanapos nas bandejas de refeição oferecidas na cadeia. Mas não foi o suficiente para evitar a chacina, que deixou um rastro de sangue e exterminou alguns dos principais adversários de Júlio. Consumada a hecatombe, parentes da família Brasileiro comunicaram à viúva que ela estava livre para chorar a morte do marido.

VÍTIMAS E ALGOZES SÃO LEMBRADOS - A história da Hecatombe de Garanhuns ficou tão marcada na cidade que logradouros importantes do município conservam, até hoje, os capítulos da tragédia. Ruas, vilas, comunidades e praças homenageiam os nomes de personagens e lugares que fizeram parte de uma das passagens mais tristes da política local. Segundo o livro de Imposto Predial de 1916 a 1918, do Arquivo Público de Garanhuns, são 28 ruas e quatro praças que guardam as lembranças deixadas pelo rastro de disputa e vingança vividos pelo município, no início do século passado.

A maioria das homenagens foram feitas aos líderes políticos que perderam suas vidas. Vítima do assassinato que desencadeou o massacre, o coronel Júlio Brasileiro dá nome a uma das principais avenidas do bairro de Heliópolis. Seu algoz, o capitão Francisco Sales Vila Nova foi homenageado pela Câmara de Vereadores de Garanhuns com uma rua no bairro da Boa Vista.

Outros mártires da Hecatombe de Garanhuns, Argemiro e Júlio Miranda, são lembrados na praça onde ficava a cadeia em que foram brutalmente assassinados. Antes chamada de Praça da Independência, o local passou a se chamar Praça Irmãos Miranda. Um dos principais comerciantes da cidade e conselheiro municipal, o Major Sátiro Ivo, outra vítima, deu seu nome para a antiga Avenida do Bairro do Magano. Outros personagens da tragédia como Cabo Cobrinha, Cônego Lyra e a própria família Jardim, acabaram batizando espaços públicos.

A cadeia pública onde ocorreu o massacre, não guarda mais os traços originais da época. Hoje, funciona no prédio o escritório da Compesa. Mas, visando preservar a memória do Município, a comissão do Memorial da Hecatombe colocará uma placa no local para relembrar o fato histórico. Ironicamente, a unidade foi construída por uma das vítimas do episódio: o prefeito tenente-coronel Francisco Veloso da Silveira, durante sua gestão em 1904.

Após a catástrofe, o prédio ficou conhecido pelos moradores como matadouro e pelourinho da vingança. Por muitos anos desativado, rumores de que o local era assombrado e que vozes das vítimas ecoavam do espaço povoaram o imaginário dos habitantes de Garanhuns. (Por Carol Brito e Leonardo Malafaia – da Folha de Pernambuco, de 29/05/2016)