Essa foi destaque
na Folha de Pernambuco de 29/05/2016:
“Uma história de vingança e
poder que deixou um rastro de tragédia no município de Garanhuns completará 100
anos em janeiro de 2017. Denominado de Hecatombe de Garanhuns, o massacre
marcado por rivalidades, desencontros e enganos, varreu as principais
lideranças políticas do Município no começo do século passado, quando, pelo
menos, 15 pessoas foram mortas.
Para resgatar o episódio, a
Comissão do Memorial do Centenário da Hecatombe foi criada e prepara uma série
de ações para os próximos meses. No dia 15, será lançada a biografia dos ex-prefeitos
vítimas do massacre, como Manoel Antônio de Azevedo Jardim, Francisco Veloso da
Silveira, Argemiro Tavares de Miranda e Júlio da Silva Brasileiro.
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No início do Século 20, o declínio
da tradicional família Jardim na política de Garanhuns abriu espaço para o
fortalecimento do grupo do Coronel Júlio Brasileiro. Sem uma oposição
consolidada, a situação se reverteu em meados de 1916, quando o prefeito de
Garanhuns, Francisco Vieira dos Santos, rompeu como líder político para
construir um projeto independente no pleito de 1917, que contava como apoio de
lideranças locais, como a própria família Jardim, e candidatos a cargos
eletivos, como o Dr. José da Rocha Carvalho para Prefeito e Dr. Antônio Borba
Júnior para subprefeito.
Como resposta, a ala
governista lançou à majoritária o seu líder Júlio Brasileiro, que ocupava o
cargo de deputado estadual. A eleição foi conturbada e o pleito acabou sendo
anulado por suspeita de fraude eleitoral. Com a realização de uma nova eleição,
Brasileiro concorreu sozinho e venceu, mas o destino ainda iria pregar uma
trágica peça no gestor eleito. Durante a campanha, o Capitão Sales Vila Nova
passou a criticar, duramente, por meio de artigos nos jornais do Recife,
irregularidades dos protegidos do coronel Júlio Brasileiro. Contrariados com as
acusações, aliados do Julismo, cobraram o fim dos artigos com ameaças de
aplicar no capitão “uma surra de cipó de boi”, castigo considerado humilhante
na época.
A PRIMEIRA MORTE - Com a insistência nas publicações de Vila Nova,
os aliados de Júlio Brasileiro cumpriram a promessa. No dia 12 de janeiro de
1917, o Capitão foi surpreendido por seis indivíduos mascarados que o
espancaram. Dois dias depois, seguiu para Recife como intuito de prestar queixa
contra o Prefeito Eleito, sob o argumento de que ele seria o mandante das
agressões. Por acaso, encontrou o rival no terraço do Café Chile, na praça da
República, e, em um ato impulsivo de vingança, disparou contra o coronel Júlio
Brasileiro, que morreu no local.
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Quando a notícia da morte do
líder político chegou em Garanhuns, a viúva Ana Duperon teria declarado que não
derramaria uma lágrima até que fosse vingada a morte do seu marido. Membros e
aliados da família alimentaram a ideia de que o Capitão teria sido apenas um
instrumento da vingança de inimigos políticos do prefeito eleito. Um sentimento
de profundo ódio invadiu os aliados de Brasileiro que reuniram um grupo de
desordeiros e capangas armados com rifles para se dirigir a cidade em busca dos
inimigos políticos do patriarca da família.
No entanto, muitos deles foram
avisados e se esconderam. Diante do caos instalado, o subdelegado Antônio Rosa
procurou Ana, a viúva do coronel Brasileiro. Na ocasião, foi arquitetado um plano
maquiavélico: abrigar todos os inimigos do Julismo na cadeia pública, sob a
promessa de que estariam seguros.
O MASSACRE - Aliado da família Brasileiro, o tenente Meira Lima
convenceu as lideranças políticas de que a cadeia era intransponível. Estava
montada a armadilha. Um grupo com mais de cem cangaceiros se dirigiu ao local.
O comandante da guarda, Cabo Cobrinha, até reagiu. No entanto, a guarda,
fragilizada pela sabotagem do tenente - que havia retirado a munição -, foi
facilmente derrotada e os soldados foram mortos.
Os adversários do Julismo
chegaram a receber revólveres escondidos dentro de guardanapos nas bandejas de
refeição oferecidas na cadeia. Mas não foi o suficiente para evitar a chacina,
que deixou um rastro de sangue e exterminou alguns dos principais adversários
de Júlio. Consumada a hecatombe, parentes da família Brasileiro comunicaram à
viúva que ela estava livre para chorar a morte do marido.
VÍTIMAS E ALGOZES SÃO LEMBRADOS - A história da Hecatombe de
Garanhuns ficou tão marcada na cidade que logradouros importantes do município
conservam, até hoje, os capítulos da tragédia. Ruas, vilas, comunidades e
praças homenageiam os nomes de personagens e lugares que fizeram parte de uma
das passagens mais tristes da política local. Segundo o livro de Imposto
Predial de 1916 a 1918, do Arquivo Público de Garanhuns, são 28 ruas e quatro
praças que guardam as lembranças deixadas pelo rastro de disputa e vingança
vividos pelo município, no início do século passado.
A maioria das homenagens foram
feitas aos líderes políticos que perderam suas vidas. Vítima do assassinato que
desencadeou o massacre, o coronel Júlio Brasileiro dá nome a uma das principais
avenidas do bairro de Heliópolis. Seu algoz, o capitão Francisco Sales Vila
Nova foi homenageado pela Câmara de Vereadores de Garanhuns com uma rua no
bairro da Boa Vista.
Outros mártires da Hecatombe
de Garanhuns, Argemiro e Júlio Miranda, são lembrados na praça onde ficava a
cadeia em que foram brutalmente assassinados. Antes chamada de Praça da
Independência, o local passou a se chamar Praça Irmãos Miranda. Um dos
principais comerciantes da cidade e conselheiro municipal, o Major Sátiro Ivo,
outra vítima, deu seu nome para a antiga Avenida do Bairro do Magano. Outros
personagens da tragédia como Cabo Cobrinha, Cônego Lyra e a própria família
Jardim, acabaram batizando espaços públicos.
A cadeia pública onde ocorreu
o massacre, não guarda mais os traços originais da época. Hoje, funciona no
prédio o escritório da Compesa. Mas, visando preservar a memória do Município,
a comissão do Memorial da Hecatombe colocará uma placa no local para relembrar
o fato histórico. Ironicamente, a unidade foi construída por uma das vítimas do
episódio: o prefeito tenente-coronel Francisco Veloso da Silveira, durante sua
gestão em 1904.
Após a catástrofe, o prédio
ficou conhecido pelos moradores como matadouro e pelourinho da vingança. Por
muitos anos desativado, rumores de que o local era assombrado e que vozes das
vítimas ecoavam do espaço povoaram o imaginário dos habitantes de Garanhuns. (Por Carol Brito e Leonardo Malafaia – da Folha
de Pernambuco, de 29/05/2016)